REFLEXÃO SOBRE A MORTE E O LUTO
Evaldo D´Assumpção – Médico e Escritor (*)
Vamos chegando ao final de
novembro, mês marcado pelo Dia de Finados, oportunidade especial para se refletir
sobre temas tão rejeitados quanto o são a morte e o luto. Desde o início da Era
Cristã já se reservava um dia para orações pelos falecidos, porém foi no século
XI que os monges de Cluny, na França, estabeleceram o dia 2 de novembro, logo
após o Dia de Todos os Santos, que era celebrado no dia 1º de novembro, como o
dia oficial de Finados. Procuravam com isso, estender a ideia da santidade para
todos os falecidos.
Contudo, para muitos o Dia de
Finados sempre foi desconfortável, pois nos reporta, intensamente, à realidade
da morte.
Morte que tememos, ou até
mesmo rejeitamos pensar nela. E por que a tememos?
Podemos dizer que esse é um
medo basicamente cultural, representado, sobretudo pelas
seguintes condições:
a) Medo da perda – Por nos sentirmos dono das pessoas, dono da
nossa própria vida, somos apegados a elas e assim não admitimos perdê-las, exceto
se for por decisão pessoal.
b) Medo da incontrolabilidade do processo – O ser humano é
naturalmente controlador. Ele sempre se sente inseguro, frustrado e infeliz
diante de fenômenos que fogem ao seu controle e a morte é o mais devastador
desses fenômenos.
c) Medo da dor que pode ocorrer no processo – Na realidade
esse medo é fruto de uma confusão de raciocínio. Nosso medo real é o do
sofrimento que antecede a morte, da dor que antecede certos tipos de morte,
pois a morte em si não pode ser dolorosa. A dor é um fenômeno que necessita
memória para nos causar problemas. Das dores que possivelmente sentimos, mas
delas não nos recordamos, nada reclamamos. Contudo, aquelas das quais nos lembramos,
referimo-nos a elas como muito intensas. Na morte não haverá memória do que
ficou, pois se trata de uma passagem para outra realidade completamente
distinta, onde não havendo tempo, não haverá memória. Portanto, a morte em si,
não dói.
d) Medo da inexorabilidade e irreversibilidade da
morte – situações
ligadas também à necessidade que temos de controlar tudo. Sabemos que a morte é
para todos, sem exceção, e isso nos faz temer sua chegada. Sabemos que não há
volta da morte, e isso nos apavora.
e) Medo da incógnita que é o
após-morte – Para aqueles
que acreditam numa vida depois da vida, a incapacidade de descrevê-la ou
explicá-la comprovadamente, gera o medo, agravado pela dúvida se serão salvos
ou não. Para os que não acreditam, a ideia do nada absoluto só é tolerada pela
sua intelectualização, contudo conservando-se um buraco negro dentro de si
próprios.
Com a morte, vem o
LUTO, que é um processo psicológico
emocional destinado a nos levar, quando adequadamente vivenciado, à superação
da perda e dos sofrimentos que ela trouxe.
Para trabalhar o luto, devemos começar pelo
desapego, que é o caminho mais seguro para se lograr uma preparação para as
perdas.
Desapegar-se é tomar consciência, de modo
real e firme, de que não somos donos de nada nem de ninguém. De que pessoa
alguma é propriedade nossa. É descobrir que apego e amor não são sinônimos,
muito pelo contrário. Apego é fazer prender, é segurar, é tomar posse absoluta.
Já amar é o oposto: não prender, não segurar, não se apossar. Quem ama
genuinamente quer o bem do outro, é feliz por saber o outro livre e feliz.
Comparando: se vou beber água com as mãos, e a tomo com apego, fecho fortemente
as mãos para retê-la toda e somente para mim. Como consequência a água se esvai
entre os dedos e nenhuma água beberei. Se pelo contrário, a busco com desprezo,
introduzo as mãos na água, abrindo totalmente os dedos, por não me importar
segurá-la. Mas a água também sairá das mãos totalmente abertas, que não
demonstraram qualquer interesse por ela. Contudo, se for com amor, irei com as
mãos em concha. Nelas, a água terá amplo espaço para sair, mas ali ficará e
saciarei totalmente a minha sede.
De forma idêntica devemos proceder com as
pessoas que amamos, dando a elas a opção de ficar se quiserem, partir se o
desejarem, mas nunca se sentir desprezadas. Assim procedendo, agiremos não como
dono, que ninguém realmente o é, mas como zelador cuidadoso, afetuoso, que todos
nós podemos e devemos ser.
Toda dor tem o seu quantum. Permitindo que se esgote, ele acabará e a dor
desaparecerá. Permitir o seu esgotamento, é não tentar retê-la. É expressá-la
livremente, cuidando apenas de fazê-lo de modo adequado para
não se ferir nem causar danos a nada nem a ninguém. Principalmente a si
próprio. “Emoção sem expressão vira depressão, e depressão mata! Mas, emoção
mal expressa, vira confusão!”
Diante de uma perda significativa, uma das formas mais
comuns e adequadas de expressar nossa dor é através do choro. Por isso são
totalmente inadequadas expressões como: “Não chore!”, “Seja forte!”, “Aceita a
vontade de Deus!” Quem realmente quer acolher aquele que sofre, ao invés de dar
esses conselhos inadequados que ofereça seu ombro para quem está sofrendo e precisa
chorar. E, se for o caso, não tenha medo de chorar junto dele. Talvez quem
acolhe precisa, ele mesmo, de chorar dores reprimidas e não choradas porque
acreditou nesses inoportunos e tolos ensinamentos.
Muito importante é ter a certeza de que o
esgotamento da dor pela perda de uma pessoa querida, não significa esquecer
aquela pessoa, mas sim aprender e conseguir lembrá-la sempre, porém sem
qualquer sofrimento. Em outras palavras, transformar uma triste saudade numa
saudade gostosa.
Quem sabe possamos, nesse mês de novembro,
meditar um pouco sobre a morte, sobretudo a nossa própria morte, libertando-nos
dos medos que ela nos traz.
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(*) – Dr. Evaldo é
Biotanatólogo e autor dos livros “Sobre o viver e o morrer” (Ed. Vozes, Petrópolis 2011) e “Dizendo Adeus” (Ed. Fumarc – 8ª ed. – Belo
Horizonte 2011)
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