Mães órfãs - Como viver com a perda dos filhos
ISTO É
N° Edição: 2108 | 01.Abr.10
Antonio Carlos Prado
“Eu sempre quis ter outro
filho, mas não é um plano para daqui a nove meses” - Ana Carolina, mãe de Isabella
Ser mãe é padecer no
paraíso, quanta alegria e celebração à mulher que pode dizer isso – ela é mãe
de filho vivo. Mãe de filho morto é mulher que desce ao inferno da dor, do
desespero e da depressão. Sua vida, de céu não tem nada, há apenas um quedar-se
insone, ansioso e impotente diante de um destino que não pode mudar. Se mães
pudessem pressentir a morte inesperada de filhos, em crimes e acidentes, ou
salvá-los de morte anunciada por enfermidade que vai se estendendo,
simbolicamente tentariam aquilo que é fisiologicamente impossível: pelo mesmo e
agora já inexistente cordão umbilical, através do qual os colocaram no mundo,
os trariam de volta ao aconchego do útero. Sim, é nele, útero, que a constante
dor emocional da morte, quase sempre psicossomatizada, lateja fisicamente.
Psicólogos afirmam: “Muitas mulheres, ao perderem suas crianças, sentem
pontadas no útero” – útero que já foi preenchido pelo feto, feto que virou
filho, filho que virou sepultura. “A dor não passa jamais”, diz Luciana
Mazorra, psicóloga clínica e professora da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. “Emocional e fisicamente, é como se ela fosse mudando de lugar e
machucando a mãe em espaços diversos.” Assim fala a teórica. Assim confirma a
mãe enlutada Ana Cristina de Freitas Rocha, que perdeu em São Paulo a sua “querida
Tatiana”, vítima de uma broncopneumonia aguda que fez seu abdômen doer numa
quinta-feira e seus olhos cerrarem para sempre já no sábado seguinte: “O
falecimento de filho é dor que dói na alma e no corpo.” Ana Cristina explica
que “não há superação”, mas tão somente adequação de seu dia a dia ao
sofrimento.
Ela trabalha em uma empresa
de informática, gerenciando a área comercial, cuida da casa sozinha e atua
voluntariamente na Associação Brasileira de Apoio ao Luto. É a essa função que
dedica a maior parte de sua energia e tempo, coordenando um grupo de autoajuda
e visitando mães enlutadas. Igualmente em outro ponto concordam especialistas
em luto materno e mulheres que mirram em seu cotidiano na ausência do ente mais
querido: “Às vezes, passase a vida inteira acreditando que o filho não morreu.”
Há uma razão para isso, pendulando entre a filosofia e a biologia, essas duas
áreas do conhecimento que são, também elas, mães – preciosas mães do
entendimento da condição humana: existem na vida dois fenômenos irreversíveis,
ou seja, a maternidade e a morte. A mulher é uma mulher e quando dá à luz passa
a ser uma mulher-mãe. Se seu filho morre, ainda assim ela continua sendo mãe.
Novamente aqui, reforça-se a tese com uma fala dolorida: “Não existe ex-mãe”, diz
Maria José Amaral, que chora a falta de sua filhinha, Carolina, morta num
acidente de carro na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, às vésperas de um
Natal. Hoje ela mora em Brasília, tem um companheiro e escreve livros de contos
baseados em experiências como a que ela amargou. Tentou ter outro filho, mas
teve de abortá-lo porque o feto apresentava hidrocefalia e agora se resignou:
não vai ser mãe novamente.
A DIFICULDADE DE OLHAR NO ESPELHO
Recentemente, duas mães que
perderam seus filhos, crianças inocentes nas mãos de assassinos, tornaram-se
involuntariamente símbolos da dor que devasta física e psiquicamente outras
tantas mulheres, todas órfãs às avessas, digamos assim, de seus pequenos que
partiram.
Uma dessas mulheres é Ana
Carolina Oliveira, mãe de Isabella, trágica história que a mídia contou
exaustivamente. A outra é Rosa Cristina Fernandes Vieites, mãe do garotinho
João Hélio, que, preso ao cinto de segurança, mas com o corpinho fora do carro,
foi arrastado na rua ao longo de sete quilômetros pelos assaltantes que fugiam
com o automóvel de sua mãe. Rosa não dá mais entrevista porque um dos
assassinos já se encontra em liberdade no Rio de Janeiro – e só três anos se
passaram. Quanto a Ana Carolina, ela declarou em entrevistas que pensa em ter outro
filho, projeto que não inclui os próximos nove meses. Teve de mudar de endereço
em São Paulo (na garagem de sua ex-residência está instalada uma malharia que
pertence a seus pais, segundo uma ex-vizinha), acorda cedo para trabalhar e
brinca bastante com os sobrinhos. Ainda no campo da violência, é significativo
na dor o sentimento da advogada carioca Zoraide Vidal. A sua filha, Ludmila,
que era policial, estava grávida quando foi assaltada, torturada e morta.
Hoje, uma Zoraide
essencialmente triste continua advogando e auxilia a polícia em trabalhos
comunitários no Morro do Borel. Para todas essas mães a vida muda naquilo que é
mais perceptível, ou seja, na rotina, na saúde, no ânimo e nos projetos. Mas
muda também, e em doses alucinantes de padecimento, naquilo que é inconsútil,
mas se torna marcado para sempre: a alma.
“É como se a minha Ludmila
estivesse agora eternamente na chuva, desamparada e desprotegida”, diz Zoraide.
“E eu preciso protegê-la, acolhê-la. A sua última frase para mim, em vida, foi
a seguinte: se eu morrer hoje, só volto para o mundo para ser filha da Zoraide
de novo.” Ela prossegue: “Onde está a minha Ludmila para eu abraçar, cuidar,
beijar? É como amputar um braço, não se recupera mais. É uma dor que é um
buraco que nada preenche.” Falou-se em alma da mulher-mãe, falou-se no desejo
impotente de amparar o que já é inerte e assim faz-se necessário voltar-se aqui
à teoria do luto. O que é essa alma? Como se dá o processamento da irreversível
perda?
O projeto de maternidade, bem como a maternidade consumada, é
para a mulher uma espécie de “prolongamento de seu ego”, assim ensinou
humanidade o criador da psicanálise, Sigmund Freud, e dois de seus mais geniais
seguidores – embora tenham rompido com o mestre no andar da carruagem do conhecimento
humano – Melanie Klein e Jacques Lacan. Pode-se dizer, mesmo, que “é um ato
narcisista da mulher e na criança ela vai projetar a si própria, o que não quer
dizer que não a ame profundamente e para sempre”. Assim, quando o filho morre,
três dores se sobrepõem. Em primeiro lugar, o “espelho-lago da mitologia de
Narciso”, presente em todos nós, se parte e muitas mães órfãs mal conseguem
olhar-se de fato num espelho de verdade. “Eu não conseguia no início olhar no
espelho, o meu olhar sangrava a minha alma”, diz Ana Cristina.
“Fiquei oca.” Em segundo
lugar, a morte do filho interrompe toda a perspectiva de futuro que a mãe nele
depositara, inclusive o futuro de ver seus genes se fortificarem e se
perpetuarem – essa é parte emocional e novamente não tangível, mas contam
também os projetos visíveis de vê-lo estudar, viajar, fazer dele uma pessoa e
tê-lo como uma grande e constante companhia. Com ele vivo, o mundo é uma escada
rolante subindo; se ele morre, nem se pode dizer que essa escada rolante pare.
Na verdade, ela desce despencando.
A CULPA POR ESTAR VIVA
“Ocorre uma inacreditável
descontinuidade. Eu perdi meu presente e, sem presente, com a morte da minha
filha Tatiana naufragou meu futuro”, diz Ana Cristina. Finalmente, a morte de
um filho interrompe o inexorável, mas natural caminhar do tempo: estamos
culturalmente preparados para assistir, primeiro, à morte de nossos bisavós,
avós e pais – ou seja, daqueles que primeiro chegaram ao mundo.
O falecimento do
descendente, portanto, interrompe essa ordem estabelecida de vida e morte e a
mulher-mãe enlouquece ao triste estilo dos incrédulos que não se cansam de
perguntar “por quê?, por quê? por quê?”.
“Dá culpa, muito sentimento
de culpa”, diz a paulista Eliza Cristina Saravalli, mãe de Tiago, morto num acidente.
Em seu caso, também a culpa, como se culpa houvesse, se desdobra em dois
planos. “Para esquecer de um namoro terminado, eu o incentivei a dar uma volta
no jipe que o matou.” Essa é a culpa concreta, se é que assim pode-se chamá-la.
Mas há outra, novamente a da alma, a da ordem natural interrompida de
nascimento, crescimento, envelhecimento e morte.
Há o desespero que somente
a desesperada sabe qual é. “Certa noite, voltando muito tarde de um baile,
tirei os sapatos para entrar em casa para que o Tiago não visse a hora que eu
estava retornando. Ele acordou e perguntou: mãe, essa cena não está invertida?
Não sou eu que tenho de chegar tarde e você cedo?”, lembra Eliza. Agora, no
angustiante luto cercado de símbolos, ela atravessa noites a fio se indagando o
contrário: “Tiago, essa cena não está invertida? Não sou eu que tenho de estar
morta e você vivo?” A despedaçada Eliza prossegue com ela trabalhando como
cuidadora de idosos.
Criticada por alguns e
apoiada por outros, ela voltou a dançar sempre que pode, atividade que funciona
como terapia e entretenimento. Na subversão do tempo dos vivos e dos mortos,
quando gente pequena morre antes de gente grande, ou na “traição do tempo”,
como às vezes preferem definir essas mulheres enlutadas, já não vale o lugar-comum
que repetimos e julgamos toda dor aplacar: “Dê tempo ao tempo que a dor passa.”
Não. Para as órfãs de suas proles o tempo estanca e não há lenitivo; e entre
aqueles que se especializam em cuidar delas é impossível quantificar um período
de luto.
“Perder um filho é o maior
stress que o ser humano pode passar. Não dá para dizer quanto dura esse luto,
ele pode ser eterno”, diz a psicóloga Éster Affini, especializada no
atendimento desses casos. Luto eternizado e tempo estancado são vividos por
Maria José da Cruz Ferreira. Ela está com 73 anos e sua filha única, Regina,
morreu quando tinha 15. Nesse pesaroso intervalo de 37 anos, Maria José
conserva o quarto da filha tal qual ele era. Na gaveta da cômoda, cadernos e
provas do colégio; no armário, vestidos.
“A caminha dela, a cadeira,
o violão, os bichinhos de brinquedo, tudo igual”, diz a mãe. A certa altura da
vida, se é que dá para falar em vida, Maria José e seu marido, José Roberto
Ferreira, chegaram a cogitar um pacto de morte – os dois se suicidariam no
mesmo instante. Eles não se mataram porque “nos voltamos para a fé em Deus e em
Nossa Senhora, além do trabalho voluntário com jovens”, diz ela.
UM PÁSSARO CHAMADO TICO
A estrada da religiosidade,
na verdade, é trilhada por muitas dessas mães. A mãe de Isabella já declarou
que reza muito e volta-se para Deus. A mãe de João Hélio disse certa vez que
segue a Igreja Católica e começou a assistir a palestras sobre espiritualidade
dadas por psicólogos.
A carioca Manoela Toledo,
mãe de Luan que morreu de caxumba com 6 anos, primeiro blasfemou à maneira das
desesperadas, depois, assegura ela, teve “uma visão de Nossa Senhora, não com
os olhos, mas com a mente”. E conta: “Antes de ver a Virgem, eu andava pela
casa questionando Deus. A dor emocional era tanta que doía fisicamente. Eu me
arrastava, curvada, ficava ajoelhada procurando cabelinhos de meu filho que
poderiam estar no chão.” Cada órfã de filho empurra a vida, ou a reinventa em
movimentos simples, com o vazio dentro de si.
A paulista Luciana Leite,
por exemplo, acaba de tatuar três corações no pulso e um pássaro no pé. Quando
ela estava no hospital com seu pequeno Lucca, vitimado por doença degenerativa,
“um pássaro visitava a gente todo dia e o Lucca chamava-o de Tico.” Luciana
está trabalhando na área de comunicação de uma multinacional, voltou a namorar
e cuida de seus dois outros filhos.
A todas as mães órfãs
entrevistadas ISTOÉ perguntou: – Que nome dar a essa dor? As
mulheres-mães-órfãs choraram. As mulheres-mães-órfãs responderam:
– Essa dor não tem nome.
Quando se perde um filho perde-se também sua alma, a vida continua, passamos a sobreviver no lugar de viver, tudo parece ser como antes, apenas a alma não existe mais!!!
ResponderExcluirOi Fabiana...
ResponderExcluirObrigada pelo seu comentário tão cheio de verdade..
Uma vida cheia de planos antes de um filho partir agora é sobreviver cada dia colocando uma mascara para fazer de conta que tudo está bem mais dentro de nós o coração esta dilacerado sem alma.
Espero sempre a sua visita no nosso blog ..
Uma semana de muita Luz..
Olá amiga,
ResponderExcluirMuito bom esse artigo, descreve perfeitamente o nosso sentimento de dor e amor por nossos filhos, que fizeram a passagem antes de nós. Faço minhas as palavras de cada uma dessas mães em seus emocionados depoimentos. Também costumo dizer que perder um filho(a) é a maior dor do mundo, uma dor que não tem nome. E cada uma de nós, mãe órfã, sabe do seu sofrimento, da sua luta, e não temos o direito de subestimar ou duvidar de seus sentimentos. Quando somos julgadas por alguém, especialmente por "algumas" mães, não podemos permitir que isso venha nos atingir e abalar ainda mais nosso coração sofrido, pois, parafraseando Shakespeare, "guardar mágoas ou ressentimentos é como tomar um copo de veneno e esperar que outra pessoa morra", portanto, devemos simplesmente ignorar essas atitudes. Precisamos sim, é ter paz, transformar nossa dor em amor ao próximo, semear boas sementes e reinventar nossa vida a cada dia em busca de novos caminhos. Desejo, em dobro, à todas mães/amigas, minhas companheiras nesta jornada árdua e difícil, toda a força e o consolo que Deus tem me dado.
Que Maria nossa Mãe, sempre nos acolha em Seu colo e nos guie pelas luzes da Fé!
Um beijo carinhoso, querida amiga. Obrigada pelo seu apoio, pelo seu amor!
Oi amiga.
ResponderExcluirObrigada pelo teu comentário cheio de verdades e repleto de palavras verdadeiras que nos dão forças para seguir em frente nesta caminhada que só uma mãe órfã sabe o que é dormir em um travesseiro de pedra...
Que Maria seja a nossa Luz..
Te amo amiga bjss.
PERDI MIHA VIDA,MEU FILHO UNICO HA 3 ANOS E DOIS MESES NO DIA 24..11.11 EM UM ACIDENTE DE CARRO QDO UMA PIPA DAGUA BATEU EM DIVERSOS CARROS E NOS EMPRENSOU EM UM POSTE,MATANDO MINHA VIDA NA HORA O DEIXANDO COM A CABEÇA ABERTA E EU AO LADO SEM PODER FAZER NADA,A ULTIMA COISA QUE MEU REI FALOU FOI MÃE O QUE EU FAÇO QDO NOS VIMOS PELO RETROVISOR O CAMINHÃO E NÃO DEU TEMPO DE NADA ALEM DO BARULHO E EM SEGUIDA MEU FILHO MORTO...E EU COM ELE.MINHA VIDA JA NÇAO TEM SENTINDO,JA TENTEI ME MATAR,MAS PARECE QUE ELE NÃO DEIXA Q EU FAÇA ISSO POIS OS REMEDIOS NÃO FIZERAM EFEITO...MEU FILHO ANJO,TINHA APENAS 20ANOS ESTUDAVA DIREITO,UM EXEMPLO DE FILHO..UM VERDADEIRO ANJO AMADO POR TODOS OS QUE O CONHECERAM,HJ SEUS AMIGOS SE TORNARAM MEUS AMIGOS E TENTAM ME DAR FORÇAS ...MAS NÃO ESTOU SUPORTANDO A FALTA DE MEU REI...SEMPRE FOI ELE E EU E ASSIM VAI CONTINUAR SENDO...EM ITEROI,TODOS PARARAM NO DIA DE MINHA MORTE...DE SÃO FRANCISCO ATE O CETRO DE NITEROI ....ME AJO COHECIA MUITOS...#VIDAEUTEAMOVEMBUSCARSUAMAEZIHA...
ResponderExcluirMinha filha morreu a 2 anos e meio, apos um acidente de carro na barra da tijuca, do acidente ela estava bem, sentada ao lado do carro esperando por socorro, o bombeiro escreveu no registro de atendimento, nao e fatal, mas por atraso qd resolveram opera-la após a primeira parada, era tarde. Acabou minha vida, alegria, esperança, vivo porque respiro. Gostaria de manter contato com vocês, euppreciso.
ResponderExcluirNao escrevi, meu nome é Sarita, meu email sara2001rj@yahoo.com.br.
ExcluirSou Sarita, meu amor Tatiana tinha 27 anos, uma médica cardiologista.
ResponderExcluir