Como ter conversas difíceis com seus filhos

O mal, a morte, o tempo. Nesta crônica, o escritor e pai José Ruy Gandra aponta uma saída para as conversas mais difíceis que precisamos ter com nossos filhos.
José Ruy Gandra em 22.08.2011

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(Foto;)
O escritor e pai José Ruy Gandra, autor de Coração de Pai - Histórias sobre a Arte de Criar Filhos (Livros de Safra), transmite seu ambicioso legado a Paulo e Pedro: sabedoria para viver bem e intensamente.
A Pedro e Paulo
Talvez por ter chegado aos 50 anos, esse outonozinho da alma de dias quentes e noites frias, muitas coisas dão sinais de ter clareado na minha cabeça irrequieta. Gostaria que meus filhos soubessem disso. Soubessem que, tão logo nasceram, se tornaram o sentido, a prioridade absoluta e a principal fonte de alegria de minha vida. Queria que perdoassem meus tropeços, incertezas e imprevidência. E que aceitassem meus desejos e votos a seguir como um presente singelo que, sem saber, vim fabricando até aqui a cada um de meus dias.
Entre tantas outras coisas que, como pai, lhes desejo, gostaria que Paulo e Pedro descobrissem que o infinito é uma palavra séria. Que certas estrelas ficam tão longe nos confins do Universo que, no momento em que as vemos, a luz delas já se apagou há muito, muito tempo. Muito além do que conseguimos enxergar, elas já morreram. Mas continuam e continuarão brilhando, céu afora, sabe-se lá por quantos milhões de anos ainda.
Considerem, filhos, que nesse infindável vazio flutuante, nosso planetinha gira, banhado pelos raios do sol. E que nesse planetinha - e, por enquanto, ao que se saiba, apenas nele - a vida se entrelaça de bilhões de formas imagináveis. Como, talvez, em nenhum outro lugar de toda essa vastidão misteriosa que nos circunda.
Nunca se esqueçam de que essa explosão de vida, a natureza, é tão fascinante quanto cruel. Pode ser a paisagem irretocável que nos comove - e também a fúria que, num piscar de olhos, a devasta. São os filhotes com sua doçura cativante e frágil - mas também criaturas que devoram implacavelmente umas às outras. Na natureza, a curto, médio ou longo prazos, depende, toda forma de existência vive ao relento. Feito as estrelas, estão condenadas a um dia deixar de brilhar. Tudo passa. Tudo precisa passar. Não tem jeito. É assim.
Que essa aparente fatalidade, filhos, não os assuste. Ao contrário. Tomara que ela os faça perceber quanto nós, seres humanos, somos privilegiados. Por podermos contemplar a criação e a evolução sentados num camarote. Por estarmos no topo de uma cadeia alimentar, uma vantagem que, na pior das hipóteses e na imensa maioria dos casos, nos poupa da condição de presas.
Em compensação, somos os piores predadores de nós mesmos. Mas desfrutamos a bênção de, bem ou mal, compreender o mundo que nos cerca. E a de, mesmo que aos trancos e barrancos, evoluir. Um dia tenho certeza de que vocês perceberão quanta grandeza e quanta miséria resultam dessa nossa supremacia biológica. Nada disso, porém, nos desvia do próprio destino. Um dia, como tudo, feito uma bandeirinha que o vento faz desprender de seu mastro, também nós passaremos.
Espero que, sempre que se defrontarem com essa verdade, vocês sigam em frente. Tenham em mente que, cedo ou tarde, o tempo dissipa até a mais entranhada tristeza. Por isso, filhos, não se entreguem jamais à amargura. Como tudo, a dor que os colher também passará. Portanto, não percam com ela mais do que o tempo estritamente necessário. Invistam sempre mais na esperança que na desilusão. Mais na confiança que no temor. E, seja lá como for, perseverem em seus caminhos.
Aliás, filhos, a cada oportunidade que tiverem, agradeçam. A cada manhã que despertarem, pensem no fato de que todas as suas moléculas permanecem agrupadas. Que as células de seus corpos continuam funcionando como devem. Agradeçam, rapazes. Brindem por esse milagre cotidiano. Cada dia é uma dádiva - e saber vivê-lo sem lentidão nem pressa é uma arte valiosa.
Paulo. Pedro. Haja o que houver, lembrem-se de que carregam nas veias o mesmo sangue. Não permitam que a vida, com suas mesquinharias, atribulações e voracidade, os afaste. Nunca, Paulo. Nunca, Pedro. Poucas coisas conseguem ser tão profundas quanto o amor de um irmão. Ombro algum é mais amigo. Mantenham, em seus corações, um lugar reservado para o outro. Descubram- se, amparem-se e fortifiquem-se reciprocamente.
Sejam previdentes, mas não deixem de realizar os seus sonhos. E nunca se considerem imunes a nada. Tudo, absolutamente tudo nesta vida é possível. Alegrias extremas. As dores mais lancinantes. Agradeçam aquilo que o destino lhes reservar. Os bons momentos alegram a alma. Os ruins ajudam a lapidá-la. Ambos um dia acabam ficando para trás e cada qual traz as próprias lições. Persigam sempre o discernimento. É ele que lhes permitirá essa fotossíntese renovadora que transforma lágrimas em risos. E em luz a obscuridade.
Meus amados: vivam atentos ao que diz o coração. Ele conhece os caminhos, mesmo que desconheça o destino. Bebam do riozinho de suas vidas sem medo. Como tudo, montanhas, impérios, nosso planeta, suas águas um dia também passarão. Mas o que importa é que, agora, neste momento, elas correm bem diante de seus olhos abertos. São suas. Estão ali para que vocês, todo santo dia, possam saciar a sede. Bebam da existência, meus filhos. E, sempre que a barra da vida pesar, lembrem- se, por favor, das estrelas que já se apagaram. Reparem como elas ainda brilham no céu.



José Ruy Gandra quando escreveu este texto, ainda não tinha perdido o seu filho Paulo. No livro, Coração de pai, narra em uma de suas passagens, a duríssima jornada para trazer de volta o corpo de seu filho que faleceu em Londres em janeiro deste ano.

Comentários

  1. Zelinda querida,
    Simplesmente magnífico! Que bela lição e demonstração do amor incondicional de um pai, carinhoso e amigo de seus filhos, neste bonito texto, sensível e encantador!
    Lindo teu post, amiga!

    Que a tua semana seja repleta de amor e paz!
    Beijo enorme.

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  2. Obrigada amiga...
    Sempre muito carinhosa e cheia de atenção para comigo..
    Com carinho e uma semana abênçoada...

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  3. Dentro do nosso grupo sempre ouvimos na maioria depoimentos de mães, a de pais é a minoria,
    me emocionou muito o relato desse pai o Ruy, sempre falo nas nossas reuniões, a dor de cada um é a dor maior doi e doi muitooooooooo... em qualquer lugar do mundo, seja de pai ou de mãe é a DOR QUE NÃO TEM NOME...
    Com carinho

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  4. Olha Zelinda estou emocionada com esse post,de uma realidade e riqueza de palavras que se encaixam de uma forma que dá vontade de ler ainda muito mais,parecendo viajar no texto.
    Realmente irmãos são amigos,essa amizade que tanto faz falta pro meu Rodolfo que derepente se viu sozinho sem a amizade e os coselhos do irmão que era e ainda é um espelho pra ele.
    Deixo aqui meu muito obrigada por fazer parte da minha amizade.
    Um forte abraço pra você!!!!

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  5. Obrigada pelo comentário, é muito gratificante quando as pessoas se mafistam reconhecem a nossa luta e caminham conosco...
    Lindo teu Anjo igual ao meu neto Saulo.
    Com carinho...

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    1. Zelinda como gostaria de estar mais perto e fazer parte das reuniões,parece tão gratificante...
      Quem sabe um dia eu realize esse desejo,

      UM FORTE E CARINHOSO ABRAÇO PRA VOCÊ!!!!

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