A VIDA DEPOIS DA MORTE Parte I


foto: Ricardo Corrêa

por Marcela Buscato -Revista Época

Marilena Fernandes achou que estava começando a redescobrir a vida, nove anos depois da morte do marido, quando um acidente de carro lhe roubou o filho Paulo, de 20 anos. Ela decidiu abrir as cortinas de casa e enchê-la de flores. Não queria que os três outros filhos levassem uma vida amargurada. Desde então – e lá se vão cinco anos – desfila suas alegrias e tristezas todo ano em uma escola de samba. Alice Quadrado transformou o pesar causado pela morte da filha Eliana, aos 25 anos, em vontade de ajudar. Percebeu quanto outros pais que passavam por essa situação se sentiam sozinhos. Fundou a associação Casulo, onde uns apoiam os outros e encontram forças para seguir em frente. “Foi a maneira que encontrei para dar significado a algo de muito ruim”, diz. Marilena e Alice descobriram o que existe além de uma das piores dores a que os seres humanos estão sujeitos: perder um filho.
“Já enterrei amigos, irmãos, mãe. Nada se compara à perda de uma filha”, diz Ana Cristina de Freitas Rocha, de 57 anos, mãe de Tatiana. A jovem de 20 anos morreu em 2005, de uma infecção generalizada diagnosticada tarde demais. “Essa dor é hors-concours”, diz Ana Cristina, usando uma expressão francesa que significa “fora de competição”. É justamente essa avalanche de sentimentos, que atinge quem perde alguém amado, que os cientistas têm tentado revolver. A quem viveu grandes tragédias pessoais, fizeram a mesma pergunta que nos ocorre ao conhecer histórias como as descritas nesta reportagem: como é possível superar a dor que tanto tememos? Nós seríamos capazes?
Há bons motivos para acreditar que sim. “Somos mais fortes do que pensávamos”, afirma o psicólogo americano George Bonanno, pesquisador da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, e referência no estudo de fenômenos ligados à morte. Em seu livro The other side of sadness (O outro lado da tristeza, ainda sem tradução no Brasil), Bonanno compilou uma série de estudos recentes que obrigaram os especialistas a repensar o que se sabe sobre como reagimos à morte. Esses estudos parecem mostrar que a maior parte das pessoas consegue se refazer de uma perda rapidamente, às vezes em questão de semanas. E sugerem que não existe um roteiro de emoções a serem sentidas para que a superação aconteça. No depoimento da página 84, Ana Carolina de Oliveira, a mãe da menina Isabella Nardoni, relata como cada membro da família superou de forma diferente a perda da menina.
Até recentemente, a teoria mais difundida para explicar a reação humana à morte era a dos “cinco estágios do luto”, desenvolvida pela psiquiatra suíça Elizabeth Kübler-Ross, em 1969. Ela apregoa que, até superar uma perda, as pessoas enlutadas passam por fases sucessivas de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Essa teoria entrou até para a cultura pop: foi tema de um episódio recente do seriado americano Grey’s anatomy e serviu como conteúdo ilustrativo para demonstrar o funcionamento do novo aparelho da Apple, o iPad. Kübler-Ross teve o mérito de chamar a atenção para um assunto até então ignorado, mas seu pioneirismo não foi seguido pela publicação de novos estudos.
Na década de 90, a geração de novatos à qual pertencia Bonanno notou as lacunas no conhecimento sobre o luto e desencadeou uma onda de estudos. “Chegamos a conclusões surpreendentes, simplesmente porque fizemos perguntas básicas que ninguém tinha feito”, diz Bonanno. Percebeu-se que os escassos estudos anteriores eram feitos com voluntários que haviam procurado ajuda de psiquiatras e psicólogos – logo, tinham mais dificuldades que a média para lidar com o luto, o que distorcia os resultados.
O próprio modelo dos cinco estágios do luto é um exemplo. Kübler-Ross tinha desenvolvido sua teoria observando o comportamento de pacientes com doenças terminais, o que não corresponde necessariamente à reação a outros tipos de morte. Mesmo as fases de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação foram definidas a partir da interpretação subjetiva de Kübler-Ross e seus colegas das entrevistas com os pacientes. Até o fim da vida, em 2004, Kübler-Ross disse que sua pesquisa não havia sido bem entendida e que nunca dissera que essas cinco fases se aplicam a todos os casos nem que eram nitidamente separadas. Mas, ante a vontade de entender a inquietação humana diante da morte, sua teoria era irresistivelmente simplificadora.
Os novos estudos, com uma gama mais ampla de pessoas, concluíram que há outras maneiras de lidar com a morte de quem amamos. “Cerca de metade das pessoas lida muito bem com a perda e volta à vida normal em semanas”, diz Bonanno, que analisou uma série de levantamentos para chegar a essas estatísticas de referência. “Outros 25% sofrem por um período maior, que pode durar de alguns meses até um ano. Cerca de 15% desenvolvem graves dificuldades que afetam a convivência social e o desempenho no trabalho.”
A morte de 3 mil pessoas nos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, teve um papel inesperado no novo entendimento da ciência sobre a morte. O trauma redespertou o interesse da ciência pelo tema e impulsionou uma série de estudos que acompanharam a recuperação dos moradores de Nova York. Os resultados foram surpreendentes. Apenas seis meses após a tragédia, 65% das pessoas entrevistadas mostravam-se emocionalmente equilibradas. Essa taxa era alta até entre aquelas que perderam um amigo ou um parente na tragédia: 54% não tiveram a saúde emocional abalada, 35% já tinham se recuperado depois de desenvolver algum tipo de trauma e apenas 11% ainda enfrentavam dificuldades para se recuperar. As proporções, semelhantes àquelas encontradas por Bonanno e seus colegas em seus primeiros estudos, ajudaram a consolidar o nome que se deu ao outro lado da tristeza: resiliência.

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