MARTHA MEDEIROS



Imitação da vida
Depois de uma grande tragédia pessoal é preciso voltar a viver



Fui ao cinema ver Michelle Pfeifer em Nas Profundezas do Mar sem Fim, que conta a história de uma mãe que perde um de seus filhos, de três anos, num saguão de hotel e só volta a encontrá-lo nove anos mais tarde. O roteiro preguiçoso resultou num filme raso, mas uma frase dita pela personagem de Whoopi Goldberg me trouxe até aqui. Depois de todos os abalos familiares decorrentes do desaparecimento do filho do meio, a mãe vivida por Michelle Pfeifer se refaz e constrói, aos poucos, o que a detetive vivida por Whoopi chama de “uma boa imitação de vida”.
Pessoas que passam por uma grande tragédia pessoal têm vontade de dormir para sempre. Nos dias posteriores ao fato, não encontram forças para erguer uma xícara de café ou pentear o cabelo. Sorrir passa a ser um ato transgressor, que gera uma culpa imensa, pois é como se estivéssemos nos curando do sofrimento. Passada a fase de hibernação voluntária, porém, é isso que tem que acontecer: curar-se. Voltar a viver. Mas como, se já não existe a alegria original? Rastreando a alegria perdida para tentar imitá-la.
Respeito quem consegue reproduzir uma vida normal mesmo trazendo dentro de si uma dor permanente e respeito ainda mais quem consegue transformar essa dor em ações solidárias, como a que resultou no projeto Vida Urgente, idealizado por um casal que perdeu um filho num acidente de automóvel e que hoje se dedica a evitar que outras famílias passem pelo mesmo drama. Isso deixa de ser uma imitação de vida, isso é um renascimento espontâneo e glorioso.
A vida como ela é, ou deve ser, inclui festas de Natal, férias na praia, bate-papos informais com amigos, comemorações de aniversário, sorrisos para fotos. Coisas triviais que são fáceis e prazerosas para quem tem o coração leve, mas que podem ser penosas para quem possui recordações que não se quer, nem se pode, abandonar. Para essas pessoas, fatiar um peru, fazer um brinde, falar banalidades, até mesmo um banho de mar, tudo tem que ser reaprendido, tudo tem que voltar a ser um ato inocente. Imitar essa inocência não é um processo fácil e tampouco natural, mas é uma sobrevivência legítima. Mais ainda: é um ato de generosidade, pois revela a consciência de se continuar a pertencer a uma sociedade e de exercer um papel importante na vida de quem nos rodeia.
O filme explorou medianamente esse aspecto, mas acabou se rendendo a soluções fáceis e inverossímeis, em busca de um final que rendesse boa bilheteria. Não permitiu que a imitação fosse adiante, quis que a felicidade voltasse a ser original. Que bom ter um roteirista à mão para facilitar as coisas. Não havendo, o jeito é plagiar a própria vida, que sempre é melhor do que entregar os pontos.

E-mail: martham@zaz.com.br

Comentários

  1. Oi Zelinda...
    Agradeço sua visita e suas palavras sempre tão carinhosas comigo.
    Esse texto da Martha Medeiros realmente verdadeiro,pois no meu caso é bem isso,parece que perdemos o direito de sorrir e quando acontece nós mesmos nos punimos.Mas venho reaprendendo sim a viver com essa fase da minha vida.Tenho que lembrar que meu anjo está ao meu lado e ele sabia o quanto eu era risonha e extrovertida.Acredito que ele espera sim minha coragem pra não desistir embora doloroso esteja e seja daqui pra frente não posso deixar de tentar...
    Amei esse texto vc sempre tão cuidadosa para seus posts.
    Nos ajuda saber que tem um alguém que nos ouve e que recebe em troca apenas nosso muito obrigada.Mas tenho certeza que vale e muito né?
    Sua maneira de conduzir as palavras me emociona sabe e seus comentários no meu blog credite me faz cada dia mais forte.
    É saber que não estou sendo julgada quando me revolto,saber que tenho direito de desabafar e que vc me entende e torce para um amanhã melhor me deixa em paz comigo mesma.
    Vc é uma enviada de DEUS para mães que precisam de um ombro amigo.
    Amo vc sem mesmo te conhecer pessoalmente amo você demais!!
    Obrigada por fazer parte da minha vida!!

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  2. Oi, Zelinda, tudo bem?
    Excelente o texto de Marta Medeiros. Em linguagem leve e com tom de otimismo, ela vai fundo no coração da gente em um problema que deve atingir a maioria das pessoas que perderam entes queridos, em especial as mães que não têm mais seus filhos neste mundo: trata-se do sentimento de culpa em voltar a viver... não é fácil lidar com isso, exige reflexão e interiorização profunda.
    Busca-se o sentido da vida novamente, em vida que ficou quase sem sentido. Digo quase porque devemos encontrar realização e vontade de prosseguir pelos outros filhos, netos , companheiros(as) e amigos e parentes que estão ao nosso lado. Difícil empreitada, mas precisa ser levada em frente...
    Providencial essa mensagem, acho que fará bem a muitas mães do grupo, como fez a mim.
    Obrigada!
    Bjs
    Ana Maria

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  3. Zelinda, minha querida!
    Antes de tudo, espero que vc me desculpe pela demora da visita, ando meio devagar.
    Esse texto é perfeito e muito verdadeiro, já conhecia. Mas é sempre bom ler e reler as crônicas de Martha Medeiros, brilhante escritora gaúcha, minha conterrânea. E neste texto, ela escreve e descreve de forma exata e com grande sensibilidade o mais profundo sentimento de todos os que sofrem a dor da perda de seus entes queridos, como nós mães, que carregamos no peito a dor da saudade eterna de nossos amados filhos, que sofremos por esta dolorosa separação e, ainda assim, precisamos buscar força e coragem para continuar na caminhada. É a vida! Vamos seguindo... vivendo um dia de cada vez!
    O Vida Urgente é um programa desenvolvido pela Fundação Thiago Gonzaga, aqui de Porto Alegre, que visa a educação no trânsito em nosso país, através da conscientização, tendo assim, como missão valorizar e preservar a vida. Um trabalho voluntário que inclui em suas atividades dar o apoio psicológico necessário somente aos pais e mães de jovens que partiram de forma trágica. É maravilhoso, participei do Grupo de Apoio durante alguns meses do ano em que minha Thais partiu, mas até hoje estou sempre em contato com o pessoal de lá, pois continuo participando dos eventos, atividades que integram esse projeto, como "Homenagem na Praça" com a inauguração a cada ano de Memoriais com o nome dos jovens na Praça da Juventude Thiago Gonzaga, que tem o nome do filho da presidente da Fundação Diza Gonzaga, o Thiagão, como ela carinhosamente o chama, que partiu há 16 anos, com apenas 18 anos de idade, vítima de um acidente de trânsito. E o "Borboletas pela Vida" que tem como objetivo marcar os locais onde acontecem os acidentes com vítimas fatais. Amiga, se você quiser e puder, veja meu post da inauguração do Memorial com o nome da minha Thais, procure no arquivo do blog "Homenagem na Praça - fotos" post de Outubro/2010.
    Que a paz de Deus seja constante na vida de todos nós!
    Obrigada pelo seu carinho e pelas palavras que sempre acalentam meu coração.
    Um abraço apertado e carinhoso para ti.

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  4. Oi amiga..
    Obrigada pelo comentário e por tantas informações,sobre esse grupo de apoio, quando for para porto Alegre vou conhecer esse trabalho maravilhoso da mãe do Thiago, apesar de tanta dor ela ainda consegue amparar e ajudar essas pessoas vitimas de acidentes de trânsito fico emocionada de saber, que existe ainda pessoas neste mundo que fazem a diferença.
    Fico muito grata de ter vc como amiga.
    Amo-te. Bjs.

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  5. Olá amiga,
    Obrigada por todo carinho e atenção. Fico feliz!
    Acabei de ler teu e-mail. Estou sem os comentários recentes.
    Deixei um recadinho lá no post para ti.
    Também te amo, és especial para mim.
    Tenha um lindo final de semana!
    Abraço e um super beijo.

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  6. Lindo vídeo, amiga! Emocionante!!! Que nosso Divino Mestre Jesus, maior exemplo de amor, esteja sempre presente em nossos corações!
    Beijos.

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