Luto, o insustentável silêncio da dor


Fonte: grupo casulo

Enquanto falar sobre a morte permanece tabu, pessoas travam uma batalha “solitária” e invisível para entender o luto
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por Zaqueu Fogaça
07.07.2016
Passa um pouco das 16h quando as primeiras pessoas começam a chegar à Paróquia do Colégio Assunção, no número 355 da Alameda Lorena, endereço nobre de São Paulo. Algumas delas, no entanto, não vieram para ouvir a liturgia da palavra. Estão ali para falar.

Elas cruzam o estacionamento e se dirigem até um pequeno portão de ferro ao lado da porta de entrada, onde, numa sala reservada ao fundo, irá ocorrer o encontro. Quem está na sala para recebê-los é Ana Cristina, que chega meia hora antes para deixar tudo pronto: ela monta uma grande mesa improvisada, prepara outra para o café que será servido no intervalo, e em cada assento deixa uma caneta e uma folha em branco.
Em pouco tempo já estão todas acomodadas. São jovens, adultos, homens, mulheres, casais, idosos. Uma a uma, num tom inseguro e carregado de emoção, essas pessoas revelam porque estão ali numa tarde fria de sábado. E o motivo é o mesmo: a dor do luto.
A reunião, realizada duas vezes ao mês, é parte de um grupo de autoajuda promovido pela Associação Brasileira de Apoio ao Luto, a Casulo. “Quando minha filha morreu, a Eliana, fui procurar grupos de apoio e não encontrei nada no país. Então, me inspirei no projeto Nossa Âncora, de Portugal, e decidi fundar a Casulo, para que as pessoas enlutadas fossem acolhidas e pudessem encontrar a sua ‘turma’ para falar, chorar, trocar experiências”, conta a pedagoga Alice Lanalice, que criou a organização sem fins lucrativos em 2001.
“Compartilhar a dor com pessoas que tiveram a mesma experiência nos ajudou a continuar vivendo”
Renata, que começou a participar do grupo com o marido, Miguel, após a morte do filho.

Nesse processo de elaboração do luto, a escrita é uma ferramenta muito importante – por isso as canetas e folhas em branco. “Usamos a escrita para motivar a comunicação”, explica Maice Glaser, que coordena o curso de escrita criativa da Casulo. “É um recurso para que os participantes reconheçam, nomeiem e organizem tudo o que estão sentindo. Assim fica mais fácil falar”. Coordenadora do grupo há seis anos, Ana Cristina diz que é “muito raro alguém vir aqui e ir embora sem falar sobre a sua dor”.
O perfil de participantes é diversificado, mas a maior parte são mulheres, especialmente mães que perderam seus filhos. “Os homens têm mais dificuldade para externar a sua dor, eles crescem estancando as emoções, vendo nela um sinal de fraqueza”, diz Ana Cristina. No atendimento à distância, porém, feito por e-mail, ela conta que a participação masculina é superior. “E sempre nos procuram enquanto estão fora de casa, no trabalho”, afirma.

RESPEITE O LUTO
Segundo a psicóloga Maria Helena Franco, professora-pesquisadora e fundadora, há 20 anos, do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto (LELu) da PUC-SP, o luto nunca é igual entre as pessoas. “Ele é uma experiência muito particular e não segue uma linearidade. O luto depende de inúmeros fatores, como a relação que foi rompida e a rede de apoio do enlutado”, ela explica. “Portanto, cada pessoa ama à sua maneira e, no rompimento desse vínculo, vive o esse momento também à sua maneira.”
Mais uma coisa é certa: a experiência provoca muitas mudanças na vida da pessoa. “As emoções passam por uma grande transformação, para que os sentimentos fiquem de uma maneira que não impeça a pessoa de viver aspectos importantes da vida”, diz Maria Helena. “Por isso, é natural que ela sinta tristeza, arrependimento, raiva, culpa, tudo ao mesmo tempo. A pessoa fica desatenta, comete erros no trabalho, apresenta dificuldade de aprendizagem. Isso porque ela está ocupada em elaborar o seu luto, o que é uma grande coisa.”

“É um dos momentos de nossas vidas que não sentimos o chão e não conseguimos enxergar o mundo à nossa volta. É uma profunda tristeza”
José Maurício, após perder a mulher
Ana Cristina, que, assim como as pessoas que acolhe como coordenadora, também procurou a Casulo quando perdeu sua filha, Tati, conta que nos primeiros meses de luto encontrou muitas dificuldades nas relações sociais, especialmente no ambiente de trabalho. “As pessoas me evitavam na hora do almoço, meu rendimento caiu e ninguém me entendia. Todos se afastaram”, conta. "Fiquei fora do ar por algumas semanas e também me afastei dos familiares enquanto tentava entender o que estava acontecendo comigo. Sentia muita culpa, fiquei tomada por um sentimento de que poderia ter feito alguma coisa.”
As alterações na vida social causadas pelo luto são, muitas vezes, mal compreendidas pelas pessoas ao redor. Essa falta de sensibilidade é um grande equívoco, aponta Maria Helena. “Nossa sociedade tem pressa, e nessa pressa não há lugar para estar junto compartilhando emoções. Além disso, não se valoriza o que parece ser frágil”, afirma. “O luto não é uma fragilidade, embora muitos o considerem assim porque a pessoa enlutada se encontra voltada para dentro de si, sem precisar se mostrar alegre e inabalada.”

OMBRO AMIGO
O processo do luto é um momento de adaptação e reconstrução de interesses e vínculos. E a participação e compreensão de familiares e amigos são importantes, diz Maria Helena. “O apoio é fundamental desde que se respeite o que há de individual no processo. A companhia é boa quando é bem-vinda ou bem aceita, mas sem forçar ou direcionar o assunto. Ouvir o que a pessoa quer falar, mesmo que seja por repetidas vezes, ajuda muito”, diz.
“O grupo foi a minha primeira grande ajuda. Hoje estou bem, feliz, casada novamente e levando a minha vida adiante”
Eleonora, que ficou viúva em 2011
“Para a maioria das pessoas, o luto é um assunto baixo astral. A imprensa, quando fala sobre a morte, sempre coloca uma tragédia, algo muito distante”, diz a jornalista Cynthia de Almeida. “Sem ter com que conversar, o enlutado acaba travando uma luta invisível, pois é visto como um derrotado, fraco.” Foi para quebrar esse tabu e trazer a conversa para o dia a dia que ela e mais seis amigas criaram o Vamos Falar Sobre o Luto?, um espaço online que reúne informações e depoimentos de pessoas que vivenciaram ou estão vivenciando o luto.


Para Maria Helena, o luto não se trata de um obstáculo que precisa ser superado, e sim um processo a ser vivido em todas as suas manifestações e pelo tempo que for necessário. “O caminho está na vivência sem se furtar a ela, sem se deixar pressionar por opiniões e sugestões que desconsiderem o que há de próprio na experiência. É uma vivência que traz crescimento, pois a pessoa percebe que suportou a si mesma nas dificuldades do processo e pode entender o que ele representou em sua vida.”

Comentários

  1. Meus queridos amigos! Em especial a Zelinda e colaboradores desse blog onde eu cheguei em um momento mais difícil da minha vida, digo que desde então minha vida se transformou por inteiro, hoje sou diferente, e nada vai me fazer mudar, minha essência de mãe continua dentro de mim, porém com a limitação da saudade infindável, a alegria não é a mesma, mas ela ainda existe para aqueles que eu amo! Não existe um dia desde então que eu não incorpore as lembranças da minha menina. Continuo aqui um dia de cada vez, procurando colocar talvez um pouco mais de cor para colorir a vida da minha família! E aí que essas publicações me ajudam a suportar esse luto que se tornou um laço infinito dentro de mim. Abraço e a minha solidariedade para todos que passam por essa dor que se transforma em saudade infinita.

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