"Mães Para Sempre" – a dor da perda de um filho
por Camila
Fundadora da comunidade do Facebook “Mães Para Sempre” conta sobre a dor de perder um filho.
A recente morte do filho do governador
Geraldo Alckmin, Thomaz Alckmin, e do menino de dez anos Eduardo de
Jesus Ferreira, levantaram um assunto importante e pouco falado, o luto
da perda de um filho. Uma reportagem do
UOL trouxe depoimentos de pais e psicólogos sobre a possibilidade de
superar essa dor, colocando como pontos importantes a participação no
ritual de despedida, como decidir sobre questões envolvendo velório,
enterro ou cremação, e a manutenção dos pertences do filho por um
determinado período.
A utilização da internet como forma de
processar o luto é um importante aliado e foi um dos caminhos escolhidos
por Amanda Tinoco, de 37 anos, com a criação da comunidade no Facebook
“Mães Para Sempre”. Seu filho único Gabriel, de 16 anos, morreu em
janeiro de 2014, atropelado por um ônibus. Há uma certa ironia do
destino pois de certa forma foi a vida online que o levou ao local do
acidente.
Ele buscava conquistar um portal do game Ingress do Google. É um aplicativo baixado no celular do tipo “Jogo Móvel de Realidade Aumentada”. Ele é baseado na conquista desses portais,
que são objetos físicos espalhados pela cidade, como estátuas,
monumentos, prédios ou loja específicas. O jogador deve sair andando
pela cidade em busca desses portais e por esse motivo divulga-se o
combate ao sedentarismo como um de seus aspectos positivos. Gabriel viu
que havia perto da sua casa, um portal muito importante, um chafariz com
o nome de “Chafariz dos Anjos”, e saiu animado em conquistá-lo e assim
ajudar seu time. Ele foi encontrado com o celular nas mãos e a tela do
jogo acesa. Distraiu-se conforme caminhava, olhando para baixo focado na
tela no telefone, e acabou atravessando o percurso do ônibus. O game
tem uma segunda fase que deve ser feita de carro e não mais a pé.
Gabriel morreu exatamente na frente do tal chafariz.
Confira a entrevista, abaixo.
Você se ressente com o game Ingress pela morte de seu filho?
Tenho pavor desse jogo e acho que ele
pode ser extremamente perigoso. O Gabriel, por exemplo, era um
adolescente viciado em games, inclusive de estratégias e conquistas, só
que no mundo virtual. O Ingress traz esse “mundo” para a vida real, mas
aqui os “agentes” só possuem uma vida, entende? Não tem como salvar o
jogo, não há “continue” nem vidas extras… é game over mesmo. Fiquei
sabendo que nos Estados Unidos há grupos de pessoas que montam guarita
em frente aos portais para vigiá-los, e já houve brigas reais entre as
equipes. Acho que para os “gamers” da geração atual, esse tipo de jogo é
mais do que uma distração, é um compromisso, um desafio, uma missão. Eu
diria até uma ideologia. Por isso se torna tão perigoso misturar os
mundos virtual e o real. Lamento tanto não ter tido tempo para prever os
perigos desse jogo. Gabriel o jogou pela primeira vez no domingo, e
pela segunda vez na segunda-feira, na ocasião do acidente. Pena que sou
uma “formiguinha” tão pequena. Não fosse isso, iria abrir um mega
processo contra a Google.
Você vê diferenças entre a dor da perda de um ano atrás, quando seu filho morreu, e a de hoje?
Sim… Quando Gabriel morreu eu fiquei em
estado de choque. Nunca imaginei que ele pudesse morrer. Eu já tinha
imaginado a morte de todo mundo ao meu redor, a dele nunca. Para mim ele
era imortal. Pegar o atestado de óbito e o laudo cadavérico foram ações
completamente surreais.
Acho que nossa sociedade é extremamente
despreparada para lidar com a morte e isso foi muito ruim para mim. Eu
nunca ter imaginado que meu filho poderia morrer acabou comigo. Nunca
falei com o Gabriel sobre a morte, nem sei o que ele pensava do assunto e
acho importante que isso seja conversado, como algo normal, porque é um
fato, todo mundo vai morrer. Isso precisa estar claro.
Eu gosto de dizer que é preciso
desmitificar a morte porque ela faz parte da vida. A impermanência faz
parte da vida. E esse conceito é real. Hoje estamos, amanhã não estamos.
Hoje eu estou falando com você e amanhã a gente não sabe se poderemos
nos falar ou não. O luto me trouxe essa consciência.
Um dos primeiros livros que li quando o
Gabriel morreu foi o “Livro Tibetano do Viver e do Morrer” e eu acho que
esse livro deveria ser abordado nas escolas e discutido com os pais. Eu
teria aproveitado melhor o tempo com o Gabriel.
Mas há altos e baixos no processo do
luto. Já passei pela fase do entorpecimento (choque), da negação e acho
que agora estou passando pela fase da raiva. É um processo inconstante,
não segue uma linha reta. Há dois meses atrás eu estava muito melhor do
que estou hoje.
Por que seu luto piorou?
Quando fez um ano da morte dele, em
janeiro, preparamos uma homenagem. Falamos da vida do Gabriel, eu fiz um
livro com os poemas que ele escreveu. Ele escrevia os poemas numa folha
de caderno, arrancava e dava para as pessoas, então eu só tinha os
poemas que ele publicou no blog. Todo mundo vestiu uma camiseta com sua
imagem. Seguimos um roteiro. O pai dele é músico e tem um coral que
cantou músicas do Legião Urbana, uma das bandas prediletas do Gabriel.
Falamos sobre a morte fazer parte da vida e que é preciso encarar a
morte e deixar de vê-la como um tabu.
Falei também da doação de órgãos, uma
causa que desejo me empenhar, porque não autorizei algumas das doações
por pura falta de informação. Mas saber que ele salvou algumas vidas me
deixa em paz. Quando se está na fila da doação não é uma questão de
viver melhor, é de viver ou não.
Uma frase que eu disse durante a
homenagem que tem me acompanhado muito é que se eu soubesse que eu iria
perdê-lo com 16 anos, eu ainda sim teria feito tudo de novo. Teria
mesmo. Tudo valeu a pena.
Logo depois da homenagem, eu fiquei bem.
Parecia que estava pronta e tinha de certa forma superado o luto e que o
Gabriel estava vivo dentro de mim. Pensei que eu tinha conseguido
encerrar um ciclo. Mas, recentemente, eu tive que desmontar o quarto
dele, porque estávamos fazendo uma obra aqui em casa. Não fazia mais
sentido deixar o quarto intacto. Quando eu tive que descaracterizar
tudo, fiquei acabada. Retrocedi muito, talvez por ter reconhecido a
imutabilidade da perda. A entrevista que nós teríamos tido antes disso
seria completamente diferente.
Como você entrou em contato com a terapia de luto?
Eu busquei ajuda porque não tinha a menor
noção de como continuar vivendo sem ele. Ele era o centro da minha
vida. É como se tivessem arrancado meu coração fora. Se eu não tivesse
fé em Deus, eu teria me matado, porque eu não conseguiria viver sem ele.
Mas Deus me diz que eu não tenho direito de me matar. Não tenho nenhuma
religião, mas tenho fé em Deus.
Busquei ajuda no núcleo de apoio do
Detran, que oferece suporte às famílias das vítimas de trânsito. Lá eu
encontrei uma mãe, que também tinha perdido uma filha, que me indicou a Dra. Adriana Thomaz,
que tem uma terapia fundamentada em ressignificação. A empresa onde eu
trabalho, a Embratel, pagou o tratamento e o faço até hoje. Me agarrei a
ele com todas as minhas forças. Minha rotina foi ler, me esforçar para
ir trabalhar e fazer terapia. Foi muito difícil voltar ao trabalho
depois dos cinco dias úteis de licença permitidos. Só consegui trabalhar
de verdade depois de alguns meses.
Como sua comunidade no Facebook te ajudou/ajuda a lidar com esse luto?
Em princípio, quando a comunidade não
existia, eu ficava postando mensagens sobre a minha dor e sobre o
Gabriel na minha página pessoal do Facebook. Comecei a achar que eu
estava sendo inconveniente com meus amigos. Ai eu pesquisei sobre grupos
de luto e vi que havia iniciativas de comunidades e blogs, como a
“Mães Sem Nome”, “Mães de Anjos”, “Mães Enlutadas”, “Mães Coragem”, etc.
Eu achava que pelo Gabriel ter morrido,
eu não era mais mãe. Conversando com a minha terapeuta, descobri que eu
continuo sendo mãe. Daí juntei essa questão da maternidade permanente
com minha vontade de compartilhar meus sentimentos e criei a “Mães Para
Sempre”. Foi ai que eu descobri que existe um mundo a parte, que é uma
sociedade de mães que perderam seus filhos, que cresce a cada dia.
Dedicar horas do meu tempo na preparação
de posts e em conversas com outras “Mães Para Sempre” faz com que eu me
sinta bem, de alguma forma, diante de tanta dor e saudade. Falamos a
mesma língua e compartilhamos os mesmos sentimentos. Por isso temos
paciência, compaixão e solidariedade umas com as outras. Minha
comunidade, assim como muitas outras que existem, é um recanto de
acolhimento, amor e respeito aos nossos sofridos corações de mães.
É possível conviver com a dor do luto?
Talvez seja falta de opção. Mas pensando
bem, acho que é possível sim, por causa do amor que a gente tem por
eles. Se me oferecessem a oportunidade de acabar com a minha dor, mas
para isso eu teria que esquecer tudo o que a gente viveu, todas as
memórias, eu não toparia. Aceito ter que viver com a dor em prol dos 16
anos de lembranças que eu tenho.
O que te conforta?
O que me conforta é a minha fé e a
esperança no reencontro. Não tenho uma religião específica, mas acho que
existe a vida após a morte. Eu acredito que o Gabriel está vivo em
algum plano. Mas se você me perguntar se eu sou espírita ou se acredito
em reencarnação, vou te responder que eu não sei. Mas acredito que a
vida não acaba aqui e sinto no meu coração que haverá um reencontro.
Sonho com isso. Fiz um post em que a mãe fala para o filho: um dia você
vai me pegar pela mão e vai me dizer: vem mãe, agora é para sempre. Esse
post foi muito curtido, porque acredito que é o sonho de muitas mães, é
o que sustenta muitas de nós.
O que te irrita?
Uma coisa que eu não gosto é não me
deixarem falar dele. E isso é um tabu. Algumas pessoas ficam sem graça,
receosas, quando eu falo no Gabriel. Eu preciso falar dele e tenho
vontade de contar as histórias que temos juntos, mas percebi que as
pessoas ficam constrangidas. É uma pena porque a gente gosta de falar
deles… porque para a gente eles continuam vivos. As memórias que temos
são muitos reais, não acabou. Quando eu falo do Gabriel lá no trabalho,
fica todo mundo em silêncio. Eu até entendo, mas não precisava.
Tem alguma frase, ou expressão, que te acompanha?
Sim, tenho. É uma frase muito conhecida
de todos por estar contida na oração mais popular do mundo – O Pai
Nosso: “Pai, Seja Feita a Vossa Vontade, assim na Terra como no Céu”.
O que você diria para alguém que acabou de perder um filho?
Você pode sofrer, chorar, falar, calar,
etc, afinal seu filho morreu. Respeite seus sentimentos, seu tempo, seus
limites. Aprendi que devemos viver com coerência íntima durante o luto.
Não se pode abrir mão do luto para agradar ninguém. Respeite-se.
Reserve um tempo só para você. Haverá dias em que você só conseguirá
respirar, e tudo bem. Procure viver um dia de cada vez; tenha fé no que é
sagrado para você. Pense que o amor entre pais e filhos transcende a
barreira da morte e lembre-se de que você não deixou de ser mãe, ou pai.
Você o será para sempre.
fonte: aqui
Amiga Zelinda, cada vez mais me refugio nessas páginas, que bem me faz ler, é como eu não estivesse só com a minha saudade. Incrível como as palavras saem da minha boca através dessa história da Amanda, meu Deus, quisera eu nenhuma mãe ter passado o que nós estamos vivendo, tudo, tudo me remete às lembranças vivas que minha filha deixou, e falar dela eu preciso e nem sempre posso, as vezes me abstenho e aí fico só. Preciso aprender não tenho que agradar ninguém. Vivo o meu tempo, na base da anestesia, quando passa parece que eu não vou suportar a ausência.E aí me apego em Deus, porque sei que um dia novamente vou estar com a Jessica. Obrigada mais uma vez Zelinda!
ResponderExcluirOi Madalena, gostaria muito de conversar com vc,aonde vc mora? Seria muito bom se pudesse comparecer as nossas reuniões e conviver com as mãezinhas que freqüentam o grupo..
ExcluirFico contenta que acompanha o nosso blog elas nossas postagens, escolhidas com muito carinho, para dar um pouquinho de alívio nós corações, que estão vivendo essa dor que chega a ser uma dor física..
Oi Madalena desculpe estou continuando e agradecendo o teu comentário, que Deus te fortaleça e te cubra de bênçãos...
ExcluirEntre na página do facebook sempre tem uma palavra de muito amor e Fé...
Com carinho...