Zelinda de Bona e o GRupo ASDL: Falar das dores da alma alivia o sofrimento.
Experiência de vida ajuda na hora de aceitar a morte
Idosos têm mais facilidade para superar o inevitável e muitas vezes ajudam os mais jovens a enfrentar os momentos difíceis
Publicado em 29/05/2008 NA GAZETA DEO POVO | ANNA PAULA FRANCO

O neto de Zelinda De Bona, 71 anos, morreu há 13 anos, vítima de um acidente. A dor de ser privada da convivência de alguém tão querido só não foi maior do que o amor por si mesma e a necessidade de dar suporte à filha, mãe do menino. “Precisava ser mais forte do que parecia para ajudá-la”, explica. Ela conseguiu superar o luto sozinha, apoiada na fé e na própria experiência de vida. E é com essas ferramentas que Zenilda coordena, há cinco anos, os Amigos Solidários no Luto. O grupo de apoio se reúne uma vez por semana – sempre com audiência flutuante – para falar de um assunto tão natural quanto a própria vida, mas que hoje tem status de tabu: a morte.
Parece mórbido manter uma reunião periódica, com dia e hora marcados, para falar de saudade, memória e dores da alma. Mas a prática de compartilhar o luto mostra-se eficiente para amenizar o trauma, já que falar sobre o problema é uma forma de superá-lo. As reuniões são recheadas de histórias de vida, de alegrias compartilhadas, de saudade, de sentimentos que não foram expressos e ganham espaço para serem finalmente expostos. “Esquecer você nunca esquece. Você não perde ninguém. A pessoa continua sua, dentro do seu coração. Ela não vai estar mais por perto, mas ainda é sua. O que buscamos é recuperar a alegria de viver e cuidar de quem ficou”, ensina.
O fim da existência é encarado de maneira diferente dependendo da pessoa. Cultura, fé e idade são determinantes na hora de se recuperar do choque que é a morte de um familiar ou amigo querido. “Para os mais jovens, a morte é um arrombo, um desamparo. A pessoa que morreu te abandonou e pronto. Para os idosos, envolvidos pela espiritualidade, morrer é uma transição. A vida continua, só que em outro plano”, explica a psicóloga Rosicler Schmitz, que acompanhou o grupo por três anos. O caráter quase transitório que a morte assume neste contexto de passagem é o que fortalece a sabedoria dos velhos diante do luto.
Luto solitário imposto pela sociedade individualista
e urbanizada demora mais para ser superado

Rituais
Outro aspecto que ajuda os mais velhos a encarar a morte é a naturalidade com que o evento era tratado desde a infância. Os rituais fúnebres – velório, cortejo, enterro e celebrações posteriores, no caso dos católicos – começavam dentro de casa e envolviam toda a comunidade do falecido e da família. A partir das décadas de 50 e 60, com a mudança de hábitos e costumes da sociedade, mais urbanizada e individualista, o luto ganhou outros contornos. É o que mostra a socióloga Marisete Hoffmann, na tese de doutorado Memórias de Morte e Outras Lembranças, que defendeu na Universidade Federal do Paraná, em abril passado. Sua pesquisa envolveu 16 idosos, de 70 a 99 anos, que relataram suas memórias sobre os ritos de passagem e os dias de hoje.
As mudanças no modo de tratar a morte e a família enlutada também se refletem em como as pessoas se recuperam de uma situação de perda. “Antes, o envolvimento social era maior. O apoio era público e o enlutado podia vivenciar sua dor. Hoje, há pouco espaço para manifestações sentimentais. A morte precisa ser rapidamente superada”, observa Marisete.
Em rituais de morte do passado – justamente esses com os quais os idosos foram criados e conviveram a maior parte da vida – parentes próximos eram reverenciados com luto fechado por até um ano. Nos seis meses seguintes, admitia-se o meio luto, com roupas brancas e pretas, e o fumo, a tarja preta na manga da camisa usada pelos homens. O velório era feito em casa e o cortejo até o cemitério tinha o acompanhamento de vizinhos e amigos. Hoje a morte tem contornos técnicos, além da questão higiênica de ser restrita a ambientes próprios para as despedidas. Não há tempo para grandes manifestações de sentimentos. A dor é compartilhada em situações específicas, como missas de 7º dia. As visitas ao cemitério são ainda mais esporádicas, resumindo-se ao Dia de Finados.
A discrição das emoções na sociedade atual provoca situações paradoxais. Os períodos de luto são mais breves, porém mais intensos e difíceis. “O enlutado demora mais tempo para assimilar sua perda, porque o faz sozinho. Antes, com a participação de todos e a exposição pública do luto e da tristeza, a família interiorizava mais rapidamente a morte de um parente. Os laços de solidariedade ajudavam no processo”, explica.
Pacientes terminais têm apoio
A consciência da proximidade da própria morte parece ainda mais assustadora para quem sofre de doenças em estágios avançados ou irreversíveis. No Hospital Erasto Gaertner, especializado no tratamento de câncer, pacientes terminais têm uma rede de apoio que também alcança a família. O suporte psicológico é feito pela equipe médica e pelo serviço de capelania hospitalar. Em muitos casos, os cuidados diários e os momentos de despedida promovem a união dos envolvidos com o doente.
“O paciente idoso tem reações idênticas ao jovem diante de um diagnóstico perverso como o de câncer. Mas tem elementos que o tornam mais vulnerável, como o aspecto social”, explica a médica oncologista Rosane do Rocio Johnson.

Serviço
Amigos Solidários: Reuniões às segundas-feiras, das 14 às 17 horas, na sala 118 do setor de Psicologia da UFPR, na Santos Andrade, 1º andar. Informações pelos tefones: 3252-5016 e 9113-4262.


Comentários

  1. É verdade, o luto hoje em dia parece que se tornou uma coisa insignificante, só quem está vivendo é que sabe a dor que é, a maioria das pessoas acha que é só ir ao velório, dar um abraço na pessoa que está enlutada, e depois continuam a viver suas vidas, e muitas vezes a pessoa que está de luto se sente colocada de lado pela sociedade, pois o mundo continua como se nada tivesse acontecido. Ainda bem que existem pessoas como você, querida Zelinda, que se sensibilizam com a dor do seu próximo e dão tudo de si para que essa dor seja amenizada. Parabéns mais uma vez pelo lindo trabalho, e obrigada por nos dar tanto amor e nos presentear sempre com palavras tão lindas. E obrigada também pelos e-mails!
    Beijos e fique com Deus!

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  2. Zelinda, como é lindo o seu trabalho. Concordo com a Aline, as pessoas acham que é só ir ao velório, que algumas vezes acaba se tornando um reencontro de pessoas que não se viam a muito tempo, depois voltam para suas vidas.
    Não canso de dizer quanto admiro você, obrigada pela generosidade e doação.
    Deus te abençoe sempre, um beijo.

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