"Me senti abandonada, descartada como mulher"

A empresária Cristina Daher Migueis, 37 anos, perdeu o marido, Gilson, que se suicidou em 1994



Eu e Gilson vivemos juntos durante cinco anos. Em janeiro de 1994 nos casamos no papel e um mês e dez dias depois ele se trancou no banheiro da nossa suíte e deu um tiro na cabeça.
Entrei em parafuso. A casa foi invadida por policiais, bombeiros, jornalistas. Eu o vi caído no chão, vi o sangue, mas não acreditava. Fui para o hospital sedada, só caí em mim quando meu irmão foi me buscar para ir ao velório, e disse: 'O Gilson morreu!'.
Meu marido era um executivo aposentado. A empresa inteira em que ele tinha trabalhado foi ao velório. Eu estava dopada, mas me lembro muito bem da expressão das pessoas. Alguns me cumprimentavam, outros me lançavam olhares de ódio, como se eu fosse culpada. Existia uma grande diferença de idade entre nós (26 anos). Imagine, sem saber como era nosso dia a dia...
Na verdade, Gilson teve um problema de perdas. Aposentado, perdeu os privilégios de executivo de multinacional, começou a beber e a se deprimir. Mas jamais imaginei que isso pudesse acontecer. Eu dizia que quando chegasse nossa hora, queria ir primeiro, porque não agüentaria viver sem ele. Nos amávamos muito, muito mesmo.
Permaneci ao lado do caixão. Me levantava de vez em quando para olhá-lo e era como se ele estivesse dormindo. Eu me perguntava: 'E, agora? Como vou comer, acordar, dormir?...'. Eu tinha perdido meu pai havia dois anos, e foi diferente. Meu pai deixou um vazio, uma saudade. Ao ver meu homem, meu amor, ali, morto, um pedaço de mim também morreu. Durante horas não consegui derramar uma lágrima. Mas quando fecharam o caixão, chorei muito. Caí na realidade de que nunca mais iria vê-lo. Esse é o pior momento: a pessoa se torna intocável.
Surgiram várias perguntas: 'Por que ele não conversou comigo? Por que eu não percebi seu problema? Não me senti culpada, como pivô, mas fiquei me perguntando porque Deus não me deu essa percepção.
Ele não deixou nada escrito e isso me perturbou por muito tempo. Chamei até um técnico para vasculhar o computador. Ele deixou só o testamento. Me senti abandonada, descartada como mulher e companheira.
No mesmo dia fui para a casa da minha mãe. Passei três dias deitada, só chorando. Eu não tinha nem pensamento. Uma semana depois, fui à nossa casa para desfazê-la. Foi terrível, tudo ali tinha uma história, da xícara de café ao lençol. Vendi tudo, menos as coisas do Gilson. Aos poucos, fui dando para pessoas que gostavam dele.
Eu tinha uma agência de viagens, parei com tudo. O mundo não tinha sentido mais. Eu sentia o cheiro do Gilson, sonhava com ele e não queria acordar, porque o sonho era muito real. Chegava a tomar quatro calmantes por dia, para dormir e sonhar.
Depois de seis meses comecei uma terapia, mas a depressão durou um ano. Até que um amigo de uma agência propôs que eu levasse um grupo à Disney. Fui, mas estava tão afastada que minha tragédia era o único assunto que eu tinha. Em plena Disney, via um lugar em que estive com Gilson e começava a contar, como que pedindo que as pessoas tivessem pena de mim. E elas não estavam nem aí... Na volta, peguei um cruzeiro, sozinha, e comecei a me sentir dona da minha vida, pela primeira vez. Em um jantar, me comportei bem, sem ficar falando do Gilson. No Brasil, voltei a trabalhar. Mas, de repente, vinha todo o filme e eu me trancava dias e dias. A família dava apoio, mas chega uma hora em que todo mundo cansa.
Até que uma conhecida da minha mãe me indicou um padre. Contei a ele todo meu sofrimento, e ele me ungiu. Esse ritual me libertou. Comecei a orar pela paz da alma do Gilson. O suicídio para a alma é algo muito ruim. Eu rezava, de cansar Deus. E os sonhos com ele foram desaparecendo.
Também passei a praticar esportes, isso me ajudou na auto-estima. E a vida foi se remontando. Só me curei quando entendi que tive um homem que me amou. Mas esse homem teve tristezas com ele mesmo e não quis mais viver. Aquela tristeza não era comigo. Não tivemos filhos, e ele me beneficiou com pensão, me colocou como testamenteira. Só podia me amar, confiar em mim.
Esse processo durou três anos. Só então me senti descasada. As pessoas dizem que eu renasci. Eu era muito socialite. Hoje vejo a vida com menos expectativas, estou pronta para namorar alguém e sei que ainda v
ou ser feliz. Mas quero uma vida mais apurada."


fonte: marieclaire

Comentários

  1. Gostei muito deste texto, nós que trabalhamos com o grupo ASDL sempre estamos ouvindo as histórias de vidas de quem perdeu seu companheiro, não é fácil a dor de cada um é a dor maior foi a pessoa escolhida para conviver o dia a dia compartilhar suas alegrias e tristezas seus projetos de vida construir uma família e de repente se sentir só, e não mais esposa sendo diferente viúva.
    Com o tempo as coisas vão se ajeitando se encaixando e a pessoa vai encontrando uma maneira de conviver e muitas vezes tendo uma transformação radical em sua vida e encontrando, no trabalho, amigos , viagens e um companheiro para continuar a viver...
    Com carinho....

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  2. Concordo com você amiga. Perder quem amamos muito é doloroso demais, é uma experiência fortemente marcante em nossas vidas, e superar essa dor insuportável é um grande desafio. Temos que buscar forças em Deus e o nosso esforço, nesse momento, é fundamental para que possamos ir à luta com coragem e determinação, seguir adiante, e recomeçar.
    Seu trabalho é maravilhoso e tenho certeza que vc tem ajudado muitas pessoas nessa caminhada, assim como tem me ajudado muito, com seu apoio, carinho e palavras amigas. Obrigada minha querida, você é um exemplo de força e superação. Que a luz de Deus te ilumine e o Seu amor te guie sempre!
    Um abraço com imenso carinho.

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