A MORTE DE UM FILHO DEIXA UMA DOR ETERNA

Opinião é do psicanalista Jorge Forbes para a psicóloga especialista em luto. 
"Muitas mães nessa situação se culpam por continuar vivendo".
Laura Diniz.



Vazio absoluto. Um nada sem chão, teto ou paredes. Mais que um poço fundo, o fundo sem o poço. A falta de ar. O desespero. A desesperança. Irracional, ilógico, inaceitável. As palavras e imagens mais fortes não são capazes de definir, na opinião de especialistas ouvidos pelo Estado, o luto de uma mãe que perde um filho. 


“A morte de um filho deixa cicatriz indelével, uma dor eterna”, explicou o psicanalista e psiquiatra Jorge Forbes, presidente do Instituto da Psicanálise Lacaniana.
 “É a pior situação humana, não há perda maior. Não tem nada de simbólico para a pessoa a elaborar essa perda. Você morre junto mesmo!”


A empresária Elizabeth Cabral, de 54 anos, fundadora da ONG Dor de Mãe, disse que, provavelmente, a bancária Ana Carolina Cunha de Oliveira, de 24, ainda não realizou a perda da filha, Isabella, de 5. “Está tudo muito recente. Ela deve estar sendo muito assediada, o País se movimentou em volta disso”, afirmou Elizabeth, que perdeu um filho numa cirurgia malsucedida há oito anos. Segundo ela, a ficha demora muito para cair - já viu casos de um ano -, mas o tempo varia de mãe para mãe. “Eu segui esperando por um bom tempo. Fazia a comida preferida dele, limpava a casa com o desinfetante com o cheiro que ele gostava, não tirava o terno no armário, lavava o tênis. Aos poucos, fui tomando consciência de que meu filho não voltaria.”


Gradações do Luto


Em termos técnicos, chama-se trabalho do luto, segundo Freud, a atividade que a pessoa realiza quando perde alguém querido. “Para Freud, o ser humano não é um ser de dois braços e duas pernas. É como se fosse uma ameba com vários braços e pernas que nos conectam com as pessoas do mundo com maior ou menor intensidade”, explicou Forbes. Quanto mais difícil for colocar amor em palavras, mais forte será a conexão e mais dolorosa, a perda. O trabalho de luto é a recolocação desses “braços e pernas” que ficaram soltos em outras pessoas e ideais. Ocorre após um tempo de recuo sobre si mesmo, depressão ou melancolia. 


Segundo Forbes, o luto dura habitualmente de dois a seis meses para pessoas não muito próximas. No caso de filhos que perdem os pais, leva mais de um ano quando a morte é imprevisível. A dificuldade em lidar com a perda é maior entre 5 e 15 anos de idade, quando a pessoa ainda está constituindo a identidade. “Se for antes, fica mais fácil de substituir; depois, já se tem recursos para trabalhar o luto.”


Se a morte dos pais é natural, decorrente da velhice, a dor é amenizada pela previsibilidade. “O filho vai se preparando durante toda a vida para a perda dos pais. O trabalho de luto é constante. Ele vai constituindo outra família, repete nomes de antepassados nos filhos, muda de posição em relação aos pais - passa a ser provedor -, começa a falar de herança etc.” A perda vai, então, se transformando em memória.


O mesmo processo ocorre quando pais perdem filhos de forma previsível. “Ao longo de uma doença do filho, por exemplo, a dor dos pais é terrível, mas haverá elaboração. O luto começa no dia do diagnóstico e eles iniciam a substituição da presença pela memória”, explicou o psiquiatra.


Por ser “antinatural”, a morte imprevisível do filho é a que mais desestabiliza o ser humano. Nesse caso, o processo de substituição da presença pela memória e de recolocação no mundo fica muito mais lento e doloroso porque os pais não conseguem lidar com seus sentimentos. “A pessoa, nos momentos imediatamente posteriores à perda, percebe abaladas suas sensações de segurança, esperança, entusiasmo e previsão de futuro - o popular ‘tô sem chão’. Paradoxalmente, essas são as ferramentas para o trabalho de luto. Os pais ficam num vazio absoluto.”


Elizabeth conta que muitas mães acabam se sentindo “ETs” porque não conseguem lidar com a dor e o mundo. “O sofrimento pode ser expresso com desespero, alienações, ou sintomas de enlouquecimento. Muitos pais ficam presos à presença do filho e a recuperam em um outro mundo”, explicou Forbes.


A psicóloga Gabriela Caselatto, doutora em luto materno pela PUC-SP, afirmou que a perda para a mãe é mais dolorosa que para o pai, pelo que o filho significa na vida dela. “Representa questões de infância, identidade pessoal, desempenho como mãe e expectativas de futuro que se cria em relação ao filho, que é continuidade da vida dela.”


Segundo Gabriela, após a perda, as mães sentem muita culpa. “Por sobreviver, já que o filho, de forma antinatural, morreu antes dela; pelos cuidados que imagina que poderiam ter impedido a morte dele e por sentir os prazeres na vida depois da morte de um filho.”


Outro drama enfrentado pelo casal após a perda é a dificuldade em conviver. Segundo a psicóloga, pesquisas indicam que 80% dos casais que perdem filhos se separam. “Os dois não conseguem conversar. Se o marido não quer falar porque dói e a esposa precisa falar porque ajuda na dor, um incomoda o outro.” 


Elizabeth contou que, após a morte do filho, fica com o coração mais apertado quando vê uma família com pai, mãe e todos os filhos por saber que nunca mais terá sua família junta novamente. “Não existe ex-mãe nem ex-filho. Vou deixar de pensar no meu filho só no dia em que for calada pela morte.”


Entrevista de Jorge Forbes para o jornal O ESTADO DE S. PAULO - caderno Metrópole, domingo, 13 de abril de 2008.

Comentários

  1. Essa matéria esclarece muito um ponto pouco comentado na perda de um filho, como fica a relação dos pais depois da morte... É muito dilacerante para ambos a convivência diante da dor, a dor se duplica e é preciso de muita orientação para conseguir atravessar essa fase.
    abs
    veronica

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  2. Oi minha querida Zelinda,
    Excelente postagem amiga! Suas escolhas são ótimas, como sempre. O amor, a saudade, e essa dor que aperta o coração pela separação física dos nossos filhos queridos, serão eternos!!!
    Amiga, vou deixar a vc e aos amigos o link do blog de uma mãe que, assim como nós, sofre muito pela perda de sua querida filha ocorrida há quase quatro meses. Se for possível, visitem seu blog, ela precisa muito do nosso apoio... sabemos o quanto é difícil e doloroso esse momento. Gostaria que antes, você fosse até meu blog e veja as incríveis coincidências entre nós duas. Procure no meu post do dia 22 de dez./2011, seus dois comentários estão como ANÔNIMO porque ela ainda não tinha blog, seu nome é Oneide Zapico. Vejo que ela é tua seguidora e também segue outros blogs amigos. Conto com vocês e agradeço.
    Muito obrigada minha querida, pelo carinho e pela enorme força que tens me dado, tuas palavras me confortam muito. Que Deus a abençoe! Que Ele cuide sempre de você e do teu amado neto Saulo.
    Estaremos sempre juntas.
    Um grande beijo, amiga!

    http://oneidezapico.blogspot.com/

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    Respostas
    1. Oi Ilca querida...
      Obrigada pelo carinho e pelo apoio,eu tenho dois anjos que são a Veronica a mãe do Dam e a Liane Caron a mãe da Ana Claudia elas que fazem as postagens eu quando acho alguma coisa que sei que vai ser de ajuda eu repasso para elas.
      Vou entrar em contacto com essa mãezinha especial a Oneide.
      Bjs amiga..

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